Vitória,


Estou adiando a redação dessa carta há semanas. Eu tive a ideia e adiei a execução, pois tenho medo de como ela será. Estou sentada ouvindo a música que mais toca no meu âmago. "Embora eu saiba que estás resolvida, em cada esquina cai um pouco a tua vida e em pouco tempo não serás mais o que és". No fim das contas, o mundo realmente era um moinho, reduziu minhas ilusões a pó, de cada amor herdei só o cinismo e agora estou a beira de um abismo - que cavei com meus próprios pés.

[...] 

Eu quero conseguir me expressar sem parecer que estou completamente presa no que planejei pra mim um dia. Não quero que, ao compartilhar tudo o que se passa em minha cabeça, pareça que eu ainda estou preocupada com o que a Vitória de 17 anos iria achar do que me tornei. Não, não estou. Mas isso não me impede de olhar para tudo o que está acontecendo a minha volta e admitir para mim mesma, pela primeira vez:

Eu não estou feliz.

Para ser sincera, o que me fez adiar tantas vezes a redação dessa carta foi que eu simplesmente não sei o que me faz infeliz. Tenho ao meu lado a pessoa mais sensível do mundo, a família mais carinhosa do mundo, os amigos que mais me parecem casa. Eu gosto, entre aspas, do meu trabalho e com os frutos dele consigo proporcionar a mim mesma uma ótima vida. Uma citação de "Comer, Rezar, Amar" - o livro da minha vida - me pegou de jeito há algumas semanas: "Eu tinha participado ativamente de cada momento da criação desta vida, então porque que eu não me imaginava, em nada disso? A única coisa mais impossível do que ficar, era ir embora.”

Eu acho que não quero construir uma vida aqui. Não quero comprar um apartamento, não quero procurar emprego aqui, não quero planejar meu próximo lar nesse lugar. Eu sempre tive dúvidas e a impressão que tenho é de que uma onda me arrastou até aqui. 

Eu quero viajar sozinha nas férias. Pra França, pra reviver aquela pessoa que eu fui no Chile e se perdeu. Esse é o único motivo?

Eu quero me mudar de país. Eu não quero ter que planejar essa mudança por duas pessoas. Eu não sei nem se quero estar lá em duas pessoas. 

Eu tenho vontade de estar com outras pessoas. Eu não sei se essa vontade é permanente ou passageira, mas ela existe e de tempos em tempos ela me esmaga, porque eu não sei o que fazer com ela. Eu não sei como compartilhar isso sem parecer que eu quero acabar meu relacionamento - porque eu não quero.

Fazer tudo por dois e ter que esperar o tempo da Jessica me cansou. Estou completamente esgotada mentalmente e não sei o que fazer, pois eu me coloquei nesse lugar sozinha. Com o tempo, o fardo de ter me colocado no lugar de quem resolve coisas pesou em mim mais do que eu esperava, e agora tudo relacionado a isso me cansa infinitamente mais do que eu jamais pensei que cansaria. 

Talvez eu esteja querendo escapar desse pesar.

Eu estou estudando francês e fazendo meu máximo para terminar a faculdade para ir embora daqui, e eu tenho medo do que terei que abrir mão para realizar isso. Eu tenho medo do meu casamento terminar e as pessoas me julgarem por ter sido um casamento rápido. Minha vó vai falar tanto. 

Eu tenho medo de deixar toda a vida que me sufoca aqui e, ao chegar lá, perceber que fiz a escolha errada. Mas onde é lá?

Eu não consigo organizar minhas vontades e traçar um plano. Um plano que me mostre se o que eu quero é válido, se existe, se é possível. Se vale arriscar o aqui. 

Eu tenho medo de tudo isso na minha cabeça ter virado um bicho enorme porque eu criei ele sozinha. Em nenhum momento eu compartilhei nada disso com a Jessica e agora eu quero sair correndo pras colinas porque esse bicho tomou conta do todo. Ainda é possível achar quem somos por trás disso tudo?

Eu não tenho vontade. Dela. De todo o resto, eu sinto mais que vontade. Eu quero entender isso mas tenho receio de estar simplesmente fingindo não ver o óbvio. Até que ponto insistir em nós é amor? 

A psicóloga me disse que preciso conversar isso tudo o mais rápido possível. De fato, eu preciso. Antes que tudo me engula, como já está acontecendo. 

Enfim, Vitória. Quis escrever essa carta pra você ver como tudo tá uma confusão hoje, aqui em outubro de 2022. Não sei quando você vai reler isso aqui e nem como caralhos as coisas vão ter se desenrolado. Mas aqui no presente (agora passado, espero eu) você está confusa, com medo, triste. Seus olhos estão cheios d'água e você ouviu "o mundo é um moinho" seis vezes seguidas. A foto da sua vó (a quem o Cartola tanto te lembra quando fala à filha) na prateleira do seu escritório te fez chorar ainda mais! Parece que nada tem saída e que tudo o que você escolher fazer será errado. 

Eu espero que isso tenha passado. Espero que você esteja lendo isso em um lugar que ama, espero que as experiências que viveu desde o dia dessa carta até o dia em que a está lendo sejam incríveis. Que você tenha muitas histórias lindas (e talvez outras não tão lindas) para contar. Por mais que o mundo diga que você não é mais quem era em 2015, espero que às vezes você consiga reencontrar essa nossa terceira (que no caso, foi a primeira) versão que tanto sonhava e tanto planejava - pausa pra secar os olhos de novo. Não há nada de errado em querer continuar ligada a ela de alguma forma, e eu espero que você tenha conseguido. Sim, nós fizemos o melhor com o que tínhamos disponível, mas está tudo bem querer manter o brilho no olhar daquele tempo. Eu espero que ele tenha voltado pra você (no momento ele tá meio sumido...). 

Eu sinto como se essa carta não tivesse ajudado tanto, mas saberemos em breve. 

Nada do que eu esperava ao escrever essa carta aconteceu... rs

Mas que, de alguma forma, colocar tudo pra fora e ter a visão de você, feliz, no futuro, lendo essa carta, me ajude a seguir daqui. E para com esse medo de envelhecer, sua louca! Nossa história é linda!

Boa sorte no mundo. Ele ainda vai ser pequeno pra você!


Sua - sempre, sempre sua,


Vitória

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