El cielo de la calle Florida

 


    As pessoas passavam por mim, apressadas. Era o fim de um dia útil e o céu estava nublado, então todos os tons alaranjados do pôr-do-sol, corriqueiros, estavam escondidos atrás das nuvens. Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos e eu, como de costume, só queria andar até meu hotel, tomar um banho quente e apagar os pensamentos com o álcool mais barato que pudesse achar nos aplicativos de entrega. Passava por várias lojas cheia de coisas que eu não precisava - as mesmas que você fazia questão de admirar quando estávamos ali - e não virava o rosto. Não queria lembrar. Foi debaixo de um céu cinza, como hoje, que você me disse que não poderíamos mais ser nós. 

    Enquanto passava pelo cruzamento da passarela, aconteceu. Meus olhos estavam distraídos, mas no momento em que passei pela ponte, eles cruzaram com os seus. Como podia ser? Eu não prestava atenção em nada, não me ative a nada, não quis ver mais nada e, assim, como se procurasse, te vi. Você estava parado, em frente ao café, segurando um copo daqueles recicláveis. Os cabelos claros contrastavam com a jaqueta de couro preta que te protegia do frio. Você, que estava sorrindo, ficou imediatamente sério ao me ver. Os olhares, que se cruzaram ao mesmo tempo - de imediato e surpreendentemente - eram mais gelados que o céu de maio que pairava sobre nós. 

    Aparentemente, meus pés não me obedeciam. Meu cérebro gritava por sair dali, mas eu havia parado de andar. Talvez, ao fundo, algumas pessoas tivessem praguejado por minha parada repentina no meio da multidão, já que estava andando com tanta pressa. Agora, simplesmente desviavam de mim, com um olhar carrancudo de quem pensa "el lugar del paseo es el centro comercial!". Não sei. Aparentemente, meus ouvidos pararam também de funcionar, já que todo o ruído absurdo do fim de tarde na rua Florida era de um cessar impossível.

    Você apertou os lábios, com uma cara de pena. Como quem vê um cachorro perdido mas tem pressa demais para apanhá-lo. Quase um pedido de desculpas, mas você não fez nada errado. E, novamente, aquilo me dilacerou. Você estava com pena de mim. Percebi, então, o motivo. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, pois ver seu rosto de longe me bambeou as pernas e acelerou meu coração. Você estava ali, seguindo a vida, como quem nada havia feito de diferente nos últimos dias. E eu, que há noventa e seis horas não via a luz da sobriedade, notavelmente estava em luto. 

    Alguém esbarrou em mim e pediu desculpas. Os sons voltaram e eu olhei em volta. Ao voltar novamente os olhos para a porta do café, não mais te achei. "Anda!", meu cérebro ordenou, aproveitando o lapso de realidade. Voltei a andar, com mais pressa do que andava antes, o pensamento mais confuso do que antes. Você teria aproveitado o momento em que esbarraram em mim para sair da minha vista? Você teria se adiantado para vir falar comigo? Teria apenas permanecido onde estava, pois esperou que eu fosse até você? Teria ficado também paralisado pelo choque do reencontro?

    Jamais saberei. Foi a última vez que te vi.


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