Rue d'Auron

    Era sábado de manhã bem cedo, e o cheiro das padarias enchia o ar enquanto ela passeava com tranquilidade pela estreita e movimentada rue d'Auron. Todas as pequenas lojas estavam abertas, e muito outros moradores da pequena Bourges aproveitavam para fazer suas compras para o fim de semana, já que aos domingos tudo fechava. As lojas de doces exibiam orgulhosas suas vitrines com as mais delicadas e diversas pâtisseries, as floriculturas mostravam suas cores e aromas de verão, as frutarias anunciavam as frutas da estação e suas ofertas e até mesmo um compenetrado luthier consertava violinos de forma manual e quase poética.

    Apesar de ser um dia típico, aquele momento era quase como terapia. Por anos, viveu em grandes metrópoles, onde a pressa e a aspereza eram regra. Sonhou e muito planejou o dia em que teria uma semana produtiva, mas tranquila, com a presença de hobbies (que existiam por puro prazer), risadas com os amigos, boas refeições e serotonina, sem esperar que o fim de semana chegasse para que fosse feliz. E hoje, um sábado, era mais um dia devagar e harmonioso. Aproveitava a tarefa de comprar as baguetes para o café da manhã para exercitar os sentidos: ver as cores das vitrines, sentir o cheiro das comidas, conhecer texturas de novos livros, ouvir as conversas dos grupos de idosos que tagarelavam sobre alguma notícia que viram na TV, dar bom dia aos passantes. 

    Após comprar duas baguetes, caminhou um pouco mais pela rua e admirou mais algumas vitrinas. De volta à casa, colocou um blues antigo para tocar na TV e começou a preparar o café da manhã. O de sempre: ovos mexidos com alho-poró, uma fatia de queijo e um pedaço da baguete. O cheiro do café, que acabou de ficar pronto, inundava toda a casa. Sentou-se e apreciou aquele momento - sem celular, sem televisão, sem notícias. Apenas o momento presente e a calmaria, que agora já era de casa. 

    "Eu acho que gosto dessa vidinha..." pensou ela, enquanto esquentava as mãos na xícara de café. Um dia que começa na rue d'Auron jamais poderia ser ruim.


Vitória

"O rapaz levantou com dificuldade e olhou mais uma vez para as Pirâmides. Estas sorriram para ele e ele sorriu de volta, com o coração repleto de felicidade. Havia encontrado o tesouro."


 O Universo está agindo para trazer a mim aquilo que eu desejo do fundo do meu coração. O Universo entendeu os meus desejos - mas não são desejos superficiais e materiais. São desejos da alma. O Universo entendeu que eu tenho coerência no que tange o que meu coração pede, e está trabalhando para me levar ao meu destino. Não um destino que está engessado, definido e escrito. Mas sim, um destino que brilha e reluz, e chama minha alma, mostrando que é o caminho para que eu vibre com o Universo. Não estamos todos aqui para isso?

Hoje eu chorei. Chorei primeiro porque me senti perdida. Porque não vi saída. Porque não sabia o que fazer. Depois, chorei porque fui tocada. Lembrei das vezes que me senti protegida (mas sem saber exatamente por quem), das vezes que tive medo de persistir, dos tempos em que eu achei que nada teria solução (e teve, sempre tem). Enfim, chorei porque vi a esperança. Porque os sinais estão aparecendo, porque o que é meu vai sempre ser meu e porque estou no caminho certo - ainda que ele pareça errado agora. 

Eu quero ser boa para merecer o tanto de esforço que o Universo faz para
que eu consiga caminhar. Eu quero estar em paz com as minhas verdades - o que não estou - e eu quero me reconectar com o Todo para que eu possa apreciar todo o caminho rumo ao meu destino. Eu quero voltar a confiar em mim e no meu coração. Eu quero resgatar aquele brilho nos olhos de quem sonhou com o mundo. Eu quero me sentir adolescendo novamente - pois foi a época que eu desejei com todo o meu coração conhecer cada canto do mundo, ter um amigo em cada lugar que eu fosse, e partir pro próximo destino deixando um pedacinho de mim onde estive. 

De hoje em diante, esses são meus propósitos. Estar em sintonia com o Universo para merecer e receber todo o bem que eu sempre recebo e, enfim, seguir o meu caminho rumo ao meu destino: viver o mundo.

Quem sabe a vida é não sonhar?

 Eu sempre amei o natal. As luzes, as músicas, os filmes, o clima de compaixão que toma as pessoas nessa época do ano. Tudo me atraía no natal. Quando mais nova, passava essa data na casa de uma tia próxima, junto com a família dela. Os pratos eram especiais, tinha uma árvore gigante bem enfeitada e nós fazíamos a refeição da meia-noite juntos, rindo e conversando sobre a vida. O dia seguinte era ainda mais legal, pois tomávamos café da manhã juntos, ainda de pijama, e víamos algum filme jogados em um enorme colchão na sala.

Hoje em dia, tudo mudou. Apesar de eu ainda gostar da época do ano em que ocorre o natal, eu não tenho mais essa animação. O contato com essa tia acabou, as luzes me dão no saco, pensar em um menu especial já não é minha preocupação. Mas, apesar dessa atitude totalmente grinch, quando o dia 24 chega, ele traz consigo uma melancolia esmagadora, que me faz passar o dia chorosa e nostálgica.

Saudade da família reunida, de ver os amigos depois da meia-noite, de ouvir música na sala tomando cerveja, de ir pro estraga-ceia socializar antes de encontrar a família. De tudo aquilo que um dia eu tive. Não há filme de natal que me faça entrar no clima, pois estou o dia inteiro lamentando o que não posso mais ter. 

Como vou estar no natal que vem? Será que essa agonia sem fim vai ter acabado? Será que vou ter entrado num vôo de última hora pra passar um natal diferentão? Será que vou estar tendo o natal em família que eu tanto sinto falta? Não vejo a hora de descobrir - embora ache uma pena eu estar tão focada no futuro sem fazer absolutamente nada para mudar o presente.

O grinch que habita em mim saúda o grinch que habita em você - mas torce, intimamente, para que não habite um grinch em você. É triste demais.


Vitória

“celebre a mulher

que você está se tornando

não tape os ouvidos

ela está te chamando

ela dança com o fogo

ela é pancada mas também é doce

ela sempre foi sua melhor escolha


ela é tudo aquilo que sobreviveu.”


Ryane Leão 

 Vitória,


Estou adiando a redação dessa carta há semanas. Eu tive a ideia e adiei a execução, pois tenho medo de como ela será. Estou sentada ouvindo a música que mais toca no meu âmago. "Embora eu saiba que estás resolvida, em cada esquina cai um pouco a tua vida e em pouco tempo não serás mais o que és". No fim das contas, o mundo realmente era um moinho, reduziu minhas ilusões a pó, de cada amor herdei só o cinismo e agora estou a beira de um abismo - que cavei com meus próprios pés.

[...] 

Eu quero conseguir me expressar sem parecer que estou completamente presa no que planejei pra mim um dia. Não quero que, ao compartilhar tudo o que se passa em minha cabeça, pareça que eu ainda estou preocupada com o que a Vitória de 17 anos iria achar do que me tornei. Não, não estou. Mas isso não me impede de olhar para tudo o que está acontecendo a minha volta e admitir para mim mesma, pela primeira vez:

Eu não estou feliz.

Para ser sincera, o que me fez adiar tantas vezes a redação dessa carta foi que eu simplesmente não sei o que me faz infeliz. Tenho ao meu lado a pessoa mais sensível do mundo, a família mais carinhosa do mundo, os amigos que mais me parecem casa. Eu gosto, entre aspas, do meu trabalho e com os frutos dele consigo proporcionar a mim mesma uma ótima vida. Uma citação de "Comer, Rezar, Amar" - o livro da minha vida - me pegou de jeito há algumas semanas: "Eu tinha participado ativamente de cada momento da criação desta vida, então porque que eu não me imaginava, em nada disso? A única coisa mais impossível do que ficar, era ir embora.”

Eu acho que não quero construir uma vida aqui. Não quero comprar um apartamento, não quero procurar emprego aqui, não quero planejar meu próximo lar nesse lugar. Eu sempre tive dúvidas e a impressão que tenho é de que uma onda me arrastou até aqui. 

Eu quero viajar sozinha nas férias. Pra França, pra reviver aquela pessoa que eu fui no Chile e se perdeu. Esse é o único motivo?

Eu quero me mudar de país. Eu não quero ter que planejar essa mudança por duas pessoas. Eu não sei nem se quero estar lá em duas pessoas. 

Eu tenho vontade de estar com outras pessoas. Eu não sei se essa vontade é permanente ou passageira, mas ela existe e de tempos em tempos ela me esmaga, porque eu não sei o que fazer com ela. Eu não sei como compartilhar isso sem parecer que eu quero acabar meu relacionamento - porque eu não quero.

Fazer tudo por dois e ter que esperar o tempo da Jessica me cansou. Estou completamente esgotada mentalmente e não sei o que fazer, pois eu me coloquei nesse lugar sozinha. Com o tempo, o fardo de ter me colocado no lugar de quem resolve coisas pesou em mim mais do que eu esperava, e agora tudo relacionado a isso me cansa infinitamente mais do que eu jamais pensei que cansaria. 

Talvez eu esteja querendo escapar desse pesar.

Eu estou estudando francês e fazendo meu máximo para terminar a faculdade para ir embora daqui, e eu tenho medo do que terei que abrir mão para realizar isso. Eu tenho medo do meu casamento terminar e as pessoas me julgarem por ter sido um casamento rápido. Minha vó vai falar tanto. 

Eu tenho medo de deixar toda a vida que me sufoca aqui e, ao chegar lá, perceber que fiz a escolha errada. Mas onde é lá?

Eu não consigo organizar minhas vontades e traçar um plano. Um plano que me mostre se o que eu quero é válido, se existe, se é possível. Se vale arriscar o aqui. 

Eu tenho medo de tudo isso na minha cabeça ter virado um bicho enorme porque eu criei ele sozinha. Em nenhum momento eu compartilhei nada disso com a Jessica e agora eu quero sair correndo pras colinas porque esse bicho tomou conta do todo. Ainda é possível achar quem somos por trás disso tudo?

Eu não tenho vontade. Dela. De todo o resto, eu sinto mais que vontade. Eu quero entender isso mas tenho receio de estar simplesmente fingindo não ver o óbvio. Até que ponto insistir em nós é amor? 

A psicóloga me disse que preciso conversar isso tudo o mais rápido possível. De fato, eu preciso. Antes que tudo me engula, como já está acontecendo. 

Enfim, Vitória. Quis escrever essa carta pra você ver como tudo tá uma confusão hoje, aqui em outubro de 2022. Não sei quando você vai reler isso aqui e nem como caralhos as coisas vão ter se desenrolado. Mas aqui no presente (agora passado, espero eu) você está confusa, com medo, triste. Seus olhos estão cheios d'água e você ouviu "o mundo é um moinho" seis vezes seguidas. A foto da sua vó (a quem o Cartola tanto te lembra quando fala à filha) na prateleira do seu escritório te fez chorar ainda mais! Parece que nada tem saída e que tudo o que você escolher fazer será errado. 

Eu espero que isso tenha passado. Espero que você esteja lendo isso em um lugar que ama, espero que as experiências que viveu desde o dia dessa carta até o dia em que a está lendo sejam incríveis. Que você tenha muitas histórias lindas (e talvez outras não tão lindas) para contar. Por mais que o mundo diga que você não é mais quem era em 2015, espero que às vezes você consiga reencontrar essa nossa terceira (que no caso, foi a primeira) versão que tanto sonhava e tanto planejava - pausa pra secar os olhos de novo. Não há nada de errado em querer continuar ligada a ela de alguma forma, e eu espero que você tenha conseguido. Sim, nós fizemos o melhor com o que tínhamos disponível, mas está tudo bem querer manter o brilho no olhar daquele tempo. Eu espero que ele tenha voltado pra você (no momento ele tá meio sumido...). 

Eu sinto como se essa carta não tivesse ajudado tanto, mas saberemos em breve. 

Nada do que eu esperava ao escrever essa carta aconteceu... rs

Mas que, de alguma forma, colocar tudo pra fora e ter a visão de você, feliz, no futuro, lendo essa carta, me ajude a seguir daqui. E para com esse medo de envelhecer, sua louca! Nossa história é linda!

Boa sorte no mundo. Ele ainda vai ser pequeno pra você!


Sua - sempre, sempre sua,


Vitória

Apesar de não te comover

Com o meu sofrimento

Mesmo que sair da sua vida

Seja um livramento

Apesar de não valer o álcool

Que eu 'to bebendo

Mesmo que você ligue o foda-se

Você segue sendo

A maior saudade de todos os tempos 

     Nos últimos dias você não saiu da minha cabeça. Paradoxalmente, as lembranças estão sumindo. Não me lembro mais dos motivos, das histórias, de como tudo começou. Mas você sempre cruza os meus pensamentos. E quando digo sempre, não estou exagerando. O tempo inteiro fantasio histórias de como será quando nos vermos, se você vai querer saber o que houve ou se só vai se mostrar impenetrável. Temo que seja a segunda opção.

    Precisei sair da sua vida de imediato assim que tive a oportunidade. Todos sempre me disseram que, quando eu finalmente conseguisse cortar esse laço - tão duradouro, você sumiria da minha cabeça para sempre. Isso já faz nove meses e até hoje, quando estou sozinha, você está na minha cabeça. 

    Hoje, enquanto caminhava até o metrô, desejei viajar para o mesmo destino que você. Desejei que batesse na minha porta e me pedisse pra conversar. Desejei que abrisse um vinho para poder falar sem amarras e, que depois do pileque, diria que sempre me quis mas teve medo. Desejei ser mais espontânea do que sou na vida real - afinal, isso não passava de um desejo. Desejei dizer de volta que te amo desde dois mil e dezesseis, sem pausas ou pontos finais. 

    O desejo passa e só sobra a solidão, repleta de dúvidas e "e se?".

    No domingo eu quase te chamei. Lembrei do único lugar onde posso te encontrar, salvei seu número de novo e procurei o seu contato. Você também me apagou da sua vida e, depois disso, eu jamais te chamaria para perguntar como você está. Será que se você não tivesse me deletado de tudo, eu seria capaz de te chamar? Não sei e, sinceramente, morro de medo da resposta.

    Tento me convencer de que 80% do que tenho saudades era mentira. Mas me doeu ler no meu último escrito sobre você que não era - pelo menos, não comigo.

    Flashes do seu olho claro encarando minha alma passam pela minha frente o tempo inteiro, bem como aquela vez que você me abraçou depois de umas cervejas e disse que me amava. Queria arrancar seu nome e seu rosto de toda a minha história. Queria tirar esse pesar do peito de quando penso que nunca mais vou te ver. Queria parar de pensar o tempo inteiro se foi tudo real ou eu que enxerguei demais.


Tudo aquilo foi um delírio?

Sobre caminhos criativos I

     Inimigos da autoestima criativa: "os monstros históricos são os tijolos que ajudaram a construir suas crenças negativas profundas". O dinheiro, por me pressionar a escolhê-lo mil vezes desde sempre, em prioridade a todos os meus outros desejos. A vida adulta, por ser tão maldosa e cheia de labirintos emocionais, em grande parte existentes pelas pressões exercidas pelo primeiro inimigo. E, por fim, a maior das inimigas: eu mesma. Que entendi, em algum momento, que o que eu amava não me levaria a um fim glorioso e, por isso, me pressionei inúmeras vezes a priorizar o dinheiro e os labirintos da vida adulta.


Quando tudo começou a dar errado

    Era 2014. Os melhores anos da minha vida estavam em seu final - e, claro, eu não sabia disso - e foram incríveis. Os "maçantes" anos escolares estavam acabando, mas eles nunca foram maçantes para mim. Eu colecionava mil histórias de como eu e meus amigos éramos uma mente só, de como fazíamos mil coisas juntos fora de sala de aula e de como eu sabia como ninguém tirar um tempo só para mim. 
    Eu sempre amei escrever. O Fragmento de Solércia, esse lugarzinho aqui - que está hospedado na internet mas, acima de tudo, também no meu coração - traz um apanhado de histórias de uma quase-artista muito exagerada: traz episódios do meu primeiro amor, do segundo e até da última paixão arrebatadora. Traz meus gritos de anseio pela liberdade, lá atrás, quando estar presa nos anos escolares ainda era sinônimo de prisão. Traz meus questionamentos sobre como viver a vida que eu sonhei, após os anos escolares, não era nada do que eu pensava. Aqui tem a primeira vez que eu pensei em estar com outra mulher. Aqui tem as minhas tentativas de escrever contos. Isso aqui sou eu. Escrever sou eu.
    Em 2014 eu precisei decidir o que faria nos próximos 10 anos da minha vida, e isso é o grande responsável por eu ser quem sou. Não me arrependo, pois fiz o melhor que pude com o que tinha disponível (ou é o que eu tento me convencer). O curso que eu fazia na época me trouxe grandes amigos que cultivo até hoje, e era um assunto bom de estudar. Achei que seria incrível trabalhar com aquilo - e foi, por três anos. Os caminhos da vida me trouxeram à profissão que tenho hoje, que é a que eu preciso sair da cama todos os dias para exercer. Como é difícil!
    Eu fiz o que pude?   
    Bom, eu amava escrever - eu sei, já disse isso - mas sabia que não bastava escrever para ganhar um bom dinheiro e viver disso. Eu tinha planos! Trabalhar o quanto pudesse, guardar o máximo que desse e, um dia, quando tudo me cansasse, eu sairia a pé pelo mundo. Bom, a hora do cansaço chegou e, claro, eu não guardei nada. O pesar da vida diária me faz gastar o possível para, nos momentos de lazer, esquecer a prisão dentro de mim.
    Eu podia ter feito jornalismo? O que seria de mim nos dias de hoje? 
    Outro amor surgiu no caminho: a fotografia. Muito embora eu não faça o que posso para dominá-la e exercê-la, eu a amo. É um amor falho, já que eu não o priorizo. Mas escrever sempre esteve ali. Enquanto produzo isso aqui, como tarefa de um livro criativo que estou lendo, as palavras fluem nos meus dedos na mesma velocidade em que as penso, e isso aqui me completa, me faz feliz e me brilha o olhar. Eu amo escrever - não "amava", como disse acima.

Deu errado? e outros talvezes

    Tendo eu feito o que pude com o que me foi disponibilizado: quem eu sou hoje, deu errado? Bom, definitivamente, estar numa posição em que sou, diariamente, traída pelo meu próprio cérebro, talvez seja intuitivo dizer que sim. Mas seria isso apenas um grito de socorro? Em número, eu ainda sou tão jovem! Parece que esse tempo todo eu vivi tanto, que não me sinto assim. Será que ainda dá tempo? Só a ideia de trair a estabilidade me faz sofrer de ansiedade! 
    Talvez... dê tempo?
    Talvez não seja coincidência que, em meus momentos mais sufocantes, eu procuro os textos e após me expressar me sinta tão aliviada. As palavras precisam sair de mim, de alguma forma, para que eu me sinta bem novamente. Estes anos de Solércia explicam tudo e, talvez, até justifiquem.
    Talvez eu consiga explorar novos caminhos sem deixar, necessariamente, o que trilho hoje. 
    Talvez?

A conclusão

    Não temos.

El cielo de la calle Florida

 


    As pessoas passavam por mim, apressadas. Era o fim de um dia útil e o céu estava nublado, então todos os tons alaranjados do pôr-do-sol, corriqueiros, estavam escondidos atrás das nuvens. Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos e eu, como de costume, só queria andar até meu hotel, tomar um banho quente e apagar os pensamentos com o álcool mais barato que pudesse achar nos aplicativos de entrega. Passava por várias lojas cheia de coisas que eu não precisava - as mesmas que você fazia questão de admirar quando estávamos ali - e não virava o rosto. Não queria lembrar. Foi debaixo de um céu cinza, como hoje, que você me disse que não poderíamos mais ser nós. 

    Enquanto passava pelo cruzamento da passarela, aconteceu. Meus olhos estavam distraídos, mas no momento em que passei pela ponte, eles cruzaram com os seus. Como podia ser? Eu não prestava atenção em nada, não me ative a nada, não quis ver mais nada e, assim, como se procurasse, te vi. Você estava parado, em frente ao café, segurando um copo daqueles recicláveis. Os cabelos claros contrastavam com a jaqueta de couro preta que te protegia do frio. Você, que estava sorrindo, ficou imediatamente sério ao me ver. Os olhares, que se cruzaram ao mesmo tempo - de imediato e surpreendentemente - eram mais gelados que o céu de maio que pairava sobre nós. 

    Aparentemente, meus pés não me obedeciam. Meu cérebro gritava por sair dali, mas eu havia parado de andar. Talvez, ao fundo, algumas pessoas tivessem praguejado por minha parada repentina no meio da multidão, já que estava andando com tanta pressa. Agora, simplesmente desviavam de mim, com um olhar carrancudo de quem pensa "el lugar del paseo es el centro comercial!". Não sei. Aparentemente, meus ouvidos pararam também de funcionar, já que todo o ruído absurdo do fim de tarde na rua Florida era de um cessar impossível.

    Você apertou os lábios, com uma cara de pena. Como quem vê um cachorro perdido mas tem pressa demais para apanhá-lo. Quase um pedido de desculpas, mas você não fez nada errado. E, novamente, aquilo me dilacerou. Você estava com pena de mim. Percebi, então, o motivo. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, pois ver seu rosto de longe me bambeou as pernas e acelerou meu coração. Você estava ali, seguindo a vida, como quem nada havia feito de diferente nos últimos dias. E eu, que há noventa e seis horas não via a luz da sobriedade, notavelmente estava em luto. 

    Alguém esbarrou em mim e pediu desculpas. Os sons voltaram e eu olhei em volta. Ao voltar novamente os olhos para a porta do café, não mais te achei. "Anda!", meu cérebro ordenou, aproveitando o lapso de realidade. Voltei a andar, com mais pressa do que andava antes, o pensamento mais confuso do que antes. Você teria aproveitado o momento em que esbarraram em mim para sair da minha vista? Você teria se adiantado para vir falar comigo? Teria apenas permanecido onde estava, pois esperou que eu fosse até você? Teria ficado também paralisado pelo choque do reencontro?

    Jamais saberei. Foi a última vez que te vi.


Despertou.

Era uma sala? Os cantos que uniam as paredes eram absurdamente quadrados. Isso é possível? ... algo ser geométrico demais? Não havia luz, exceto por uma janela minúscula - lá no alto. O teto estava tão longe que era quase impossível determinar se ele existia, de fato, mas caso não existisse seria possível ver o céu. Ela não se lembrava do céu. 

As obrigatoriedades na pungente relação com a maturidade a cegaram. Os sonhos? Ficaram para depois. Quando era o depois?

Despertou em uma sala com cantos excessivamente geométricos, sem luz, com um teto enigmático. Não lembrava do céu e os sonhos ficaram para depois. 

O despertar era corriqueiro - mas logo procurava razões para se distrair da inevitável verdade: perdeu-se.

Ver o mundo parece impossível da atual perspectiva. Abraçar o novo torna-se cada dia mais amedrontador, irresponsável, imensamente amargo. 


... Onde foi parar?


Perguntava-se. O tempo inteiro. Mesmo nos breves momentos de falsa alergia - onde foi parar?

O sonho, a predisposição ao artístico, o anseio - O IMPULSO POR VAGAR. Desapareceram. Tomaram o lugar as responsabilidades, a insistente voz na cabeça, o eterno "... e se?". 


Adormeceu. Na mesma sala com cantos excessivamente geométricos, sem luz e com o teto enigmático.

?

     Nem sei como eu vim parar aqui. Não digeri as notícias, não me acostumei ao futuro. Para ser sincera, não irei me acostumar com esse futuro estranho que você planejou e nem quero pensar nisso agora. O próprio presente já é um pesar, tão doloroso quanto o passado no qual você me prendeu - e nem sabe. E pensar que um dia eu senti saudade do drama! Que inocência.

    Estive, em minhas conversas comigo mesma, relembrando tudo o que passamos para chegar até aqui. A amizade inconclusiva, as conversas - elas existiram ou foram delírios? - no quarto, cada um em uma cama, sobre a vida. O dia fatídico, o qual eu sinceramente não tenho conclusões - você deu o primeiro passo, mas eu realmente titubeei?, as escapadas. Você sempre foi indiferente à minha presença quando não estávamos fazendo tudo aquilo? Você me elogiou alguma vez ou foi sincero? Eu não sei.

    Me parece patético que a música que mais me lembra todo o turbilhão que você foi em mim seja um sertanejo. Mas que posso fazer, se "me apaixonei pelo que inventei de você"? Em todos estes anos, contei e recontei tantas vezes nossa história que, assumo, inventei alguns detalhes. Me fazia menos pior pensar que você pudesse ter sentido qualquer fragmento de amor - ou até mesmo apreço - por mim. Mas passou tanto tempo que agora não sei mais o que é real.

    Enfim, a conversa comigo mesma. Não me lembro mais como era tudo antes e depois. Me lembro que você não era só você e que depois voltou pra São Paulo. Passou um tempão longe. Eu voltei pra São Paulo. Nada. Nos encontramos em Porto Alegre. Aquele dia foi o melhor (foi mesmo? Ou inventei de novo?) mas foi um só. Teve a festa, mas eu voltei pra São Paulo de novo. Ah... Ainda bem que ninguém lê isso aqui - a necessidade de fazer sentido some! É só um descarregamento do tantão de coisa que acabei de falar sozinha, repassando os últimos anos, tentando entender se eu realmente errei ou se você nunca foi humano.

    Ah, a retrospectiva. Foco. Porto Alegre, Ubatuba. Pior dia da minha vida. Você tava em outra viagem, mas eu não desgrudava o olho do celular - pois agora você era só você. É estranho, mas sempre preferi quando não era, como da primeira vez. Neste dia, bebi todos os barris possíveis e falava de você para absolutamente qualquer estranho que cruzasse meu caminho. Fiquei mal, tão mal. Saudade da Mariana. Ela entenderia. Voltei mais cedo, ouvir seu nome me fazia vomitar. Você tava bem - machucado (não por minha causa), mas bem.

    Você parou de ser só você de novo. Eu fui pra Colômbia. Você não me ligou bêbado dizendo que tava muito mais feliz - essa parte eu inventei. Você jamais faria isso! Outros me ligaram, por isso voltei a te procurar em outros corpos. O tanto que você me machucou, eu machuquei outras pessoas. Karma? Fui pro deserto. Tinha me encontrado? Parecia que sim! Pela primeira vez, você era só uma lembrança e eu tinha o mundo! 

    Mudei a vida. Eu não era só mais eu. Mas tava feliz, parecia estar tudo no lugar. Ficou no lugar por um tempo. Não escrevi sobre você e consegui voltar a ver tudo o que você fazia. 

    Viajamos de novo. Lembrei hoje de que eu não precisava estar lá quando você chegou, mas de alguma forma, sem querer, eu fiz por onde ficar. Todos os dias, me ajeitava com o pensamento na possibilidade de você querer ser nós de novo. Não aconteceu. Exceto pelo último dia. O que teria acontecido se eu não ficasse tão nervosa perto de você e tivesse que vomitar toda a janta por conta das borboletas ensandecidas no estômago? 

    Daí, não lembro como foi. Mas lembro que, num instante, voltamos a ser nós. Dessa vez, nem eu nem você éramos só nós... Mas o encontro estava marcado. Toda semana! Matei aulas, inventei desculpas, mas estava na melhor fase que já estive. No entanto, dessa vez eu me lembro: minha presença fora dos momentos fatídicos pouco importava pra você. Mas e daí? Eu te tinha, por aqueles minutos, sem quaisquer interferências, só pra mim. Bastava...?

    Ah, adendo - você voltou a ser só você de novo. Me contou pessoalmente, bem me lembro. Te disse depois que estava brava por você estar distante - mas estava se resolvendo. Por um momento, tentei intencionalmente ser apenas eu também. Quem sabe não desse certo? Eu podia me abrir? Poderíamos ser só nós, juntos?!

    Mal mundial. Mas, antes disso, você entendeu. Nunca me disse se entendeu, mas eu sei que sim. Aquele dia no parque. Naquele dia, eu só queria ir com você. Mas você não fez questão, pois tinha entendido. Depois, gelo. E aí sim, o mal mundial. A distância tornou-se física - pois antes ainda não era. Tal distância física era o que eu tanto supliquei pro Universo antes, mas não era o que eu queria agora. Você foi sumindo. Eu decidi sair da sua vida - e você perguntou meus motivos. Eu, claro, não disse - já havia entendido que não podia mais te dizer. 

    Você parou de ser só você de novo. E aí desandou.

    Junho, um dia depois do sábado. Declaração. Julho, disse pro mundo. Agosto, café da manhã na cama. Mas nada daquilo era comigo.

    Eu, que achava que a distância era um aspecto seu, descobri que não era. Na verdade, era sim, mas só comigo. Você sabia demonstrar o que sentia e fazia isso de forma linda, mas nunca pra mim. Você sentiu? Ou inventei essa parte também? 

    Agora, estou parada na frente do teclado, fitando o nada e pensando se tudo foi fruto da minha imaginação. Eu, que jamais havia te olhado de outros modos, fui obrigada pela constante presença tua a te ver. E vi? Por que não houve sinceridade? Foi culpa minha? Ou você só me usou? Será que essa conversa acontecerá um dia?

    Bom, creio que não. Hoje, você dá um passo para alcançar o maior de seus sonhos, o sonho que eu jamais poderia te proporcionar - pois seria me anular. Mais. Na verdade, nunca nem lhe passou pela cabeça que eu pudesse, não? Enfim. Tudo muda permanentemente agora? Você está bem com isso mesmo? Creio que sim. Era seu sonho. Uma vez você disse! Depois de todo o tempo pressionando (antes), encontraria alguém e tudo aconteceria muito rápido. Você tava certo!

    Por que parece que minha vida parou? Por que toda hora isso passa na minha cabeça? Por que eu me sinto a mesma criança de tantos anos atrás, que não podia brincar - enquanto o irmão brincava? Por que parece que perdi? Era uma competição? Em algum momento... algo relacionado a mim cruza seus pensamentos? Não? Sim? Como é?

    Mais uma vez, você é minha eterna interrogação.


V.




Joana I

Descontentamento. Entre relações vazias, hiatos regados à álcool e tentativas de preenchimento, Joana tropeçava de boca em boca, certa de que acabaria sozinha no final.
"Duas coisas fazem o mundo girar", pensava ela, "dinheiro e sexo. De fato, o dinheiro compra sonhos e constrói pontes rumo ao futuro... Mas o sexo é só... isso?". Era absurdo que todo o jogo de egos do mundo acontecesse por causa dessa experiência sem graça. Nada a fazia conceber de que aquele entra-e-sai afobado e cacoso era o que movia as pessoas. Formulava hipóteses sobre o que poderia estar errado consigo enquanto olhava para o teto, um cara suado montando-a, esforçando-se excessivamente, urrando palavras cheias de lascividade, que objetivavam encontrar o mínimo tesão nos olhos opacos de Joana.
— Foi bom pra você? 
Este já era o sexto cara com o qual ela tentava fazer a coisa toda dar certo, sem sucesso. Quando via as amigas conversando sobre sexo, convencia-se de que ainda não havia achado um cara que soubesse fazer direito. A cada estranho que deitava em sua cama, enfezava-se, pois qual seria a possibilidade de ela ter escolhido SEIS caras que transavam mal?!
— Foi sim. Preciso acordar cedo amanhã... Tudo bem se você for embora agora? Tenho que dormir. 
Essa era a desculpa que ela sempre dava. Não queria ter que lidar com todo o protocolo de fingir que o sexo foi incrível - e talvez até ter que repetí-lo -, dormir abraçada, acordar e agir como se estivesse em um comercial. Inventar obstáculos era a forma mais simples e rápida de se livrar destas obrigações sociais.
Uma vez sozinha, pegou o celular e colocou seu álbum preferido para tocar: Bitter, da Meshell Ndegeocello. Apagou a luz do quarto, acendeu o abajur e deitou-se. Alisou a barriga de forma sutil, fechando os olhos e sentindo a música que tocava. 
Such pretty hair 
May I kiss you? 
May I kiss you there?
Lentamente, sua mão foi passando pelos seios, acariciando seus mamilos em movimentos circulares e desmedidos. Algo quente começava a tomar seu corpo, as costas começando a transpirar. O edredom que a cobria não se fazia necessário, mas escondia algo que ela só dividia consigo. O prazer.
Com a mão esquerda ainda no seio, escorregou a direita para dentro da calcinha. As pernas começavam a perder o pudor e abriam-se, ao passo que ela visualizou a imagem da atriz que havia visto em um filme no dia anterior.
Era como se a atriz estivesse ali, em pessoa, beijando o interior de suas coxas despretensiosa e calmamente, sem pressa. Entre os beijos, entregava-lhe os mais instigantes olhares, como quem não sabia qual seria o próximo passo, mas descobriria ao respeitar seu ímpeto.
Sua língua quente tocaria seu ponto mais sensível, e ela soltaria um gemido abafado, como quem esconde algo. Enquanto esta língua passeasse em seu sexo, sensações diversas passeariam em seu corpo. Também em seu corpo, as mãos de ambas. Apertos. Roxos.
Quando o corpo clamar por pausas, como se o prazer estivesse no ápice, as mãos estariam no sexo - juntamente à língua. Trabalhariam em conjunto, como se fossem um só. Joanna puxaria seu cabelo e a atriz lançaria novamente seus olhares, mas desta vez não seriam mais olhares de quem não sabe a próxima coisa a se fazer. Seriam olhares de certeza de que a coisa certa já estaria sendo feita.
A explosão tomaria conta de seu corpo, as pernas bambeariam, tremeriam, estariam espasmódicas. E assim, de fato, a explosão tomou conta de seu corpo. As pernas bambearam. Tremeram. Ficaram espasmódicas. Arfante, abriu os olhos lentamente e desfrutou da sensação. Isso era o que ela procurava nos infinitos homens aos quais cedia o lençol. Nunca aconteceu.
Às vezes, questionava-se sobre o fato de precisar pensar em mulheres para alcançar o prazer. Acreditava ser pela atenção com a qual as mulheres lidam com o sexo, nada mais. Pensou novamente nisso, mas não se ateve.
Bebeu da água que estava no criado-mudo e virou para o lado. Adormeceu, suas partes pulsantes como quem acabara de dispor de um prazer puro. O prazer real.
entranhas que bradam
por arte e expressão
e rasgam tudo
mas encontram opressão

pior que de outrém
surgem no íntimo
juiz de si mesma
crítica no ínfimo

carece libertar-se
mas de quê? não sabe
não morra na praia
mas por favor, nade...

Desabafo desesperado que não faz o menor sentido mas que eu precisava deixar aqui


E eu, que sempre quis tanto um tempo com você pra te falar tudo o que estava em mim; que sempre quis jogar na sua cara toda a dor que você deixou quando foi embora; que esperei anos pra poder te ver sem querer chorar... Eu me vi ali, contigo, no carro de sempre, na rua de sempre, admirando teu sorriso como sempre. E no (re)começo de tudo eu estava me esforçando tanto pra não demonstrar que tu havia me machucado... agora eu tava ali, como se estivesse completamente curada do furacão que passou quando você se foi de nós.
Eu, que sempre quis estar próxima de você e saber da sua vida, que sempre quis ouvir de você que queria saber do meu dia, que nunca tinha recebido um conselho teu. Eu olhei pro lado e vi tudo o que eu sempre quis ver de você, ali, totalmente comigo e por mim.
Eu esperei uma vida para estar ali hoje. Inclusive, sabendo que ia te ver de noite, revivi as borboletas do meu estômago as 6 da matina. Não conseguia pensar em mais nada o dia todo.
Eu tava ali. Com você.
E eu não consigo parar de pensar no quanto isso pode ser mentira, no quanto eu posso estar me enganando de novo... Mas a vida passou tão depressa e eu não consigo fingir que não me sinto a garota mais feliz do universo quando você me olha e sorri daquele jeito. Eu te beijei por quinze minutos ininterruptos e parecia que tudo em volta era amistoso e tranquilo. Eu não queria sair nunca dali, pra mais nada.
E eu comecei a lembrar de tudo o que foi bom.
De quando eu tava indo embora um dia e você me puxou sorrindo e pedindo pra eu ficar. De quando chovia sem parar do lado de fora mas nós estávamos tranquilos do lado de dentro. De quando você fez o maior caminho do mundo pra poder me ver no meu aniversário. De quando você estava morrendo de sono e ficou olhando pra mim antes de dormir. De tudo.
Já faz trinta e seis horas que te vi e ainda não consigo parar de sorrir quando lembro disso.
A tempestade passou.
Vitória 

Interrogatório

Tem sido cada vez mais difícil achar o trajeto de uma caminhada da qual desconheço o rumo. Tem sido cansativo, tem tirado minhas forças e minha felicidade. Caminho, é fato, mas caminho pesarosamente. Minha cabeça tornou-se o maior peso que eu poderia carregar. Minha insatisfação é meu juiz mais esnobe. Eu sou meu empecilho.
De que vale o poder? Social, aquisitivo, pessoal... De que vale o possuir, o mostrar? Qual será a sensação de ter pleno domínio e controle, de saber o que se quer para todo o sempre?
Grito tanto com os olhos, pois já não tenho voz. Tira-me dessa jornada dolorosa....
Meus maiores medos tornaram-se reais e estão a encarar-me, juntamente ao pesar, as mágoas, o futuro. Todos gritam para que eu desista e eu chego cada vez mais perto de obedecer. Seria exagero? Seria demais pensar-me guiada por tudo que há de ruim e sem achar solução alguma que acalente meu coração desprevenido?
Não me aceito, não faço por onde aceitar-me. Para quê?

Desconheço quem sou e quem me tornei.

Independência ou...?

   O barulho dos trovões anuncia uma chuva insana e furiosa que está por vir. Seu prefácio, porém, são alguns pingos gélidos e fracos, que estão tocando as folhas das árvores e aos poucos se vão, rumo a um ciclo que todos nós já conhecemos. A janela fica, aos poucos, salpicada de gotas perdidas que correm rumo ao parapeito da janela. E eu. Sei lá eu.
   Mais uma vez, não sei o que fazer. Não me encontrei, não me satisfiz e não pude reconhecer ainda a essência que eu tanto procuro. Eu consegui fazer tudo o que queria e, no entanto, arde um vazio insistente dentro de mim. Ora, não é para isso que milhões de pessoas lutam diariamente? Para realizar seus sonhos, pouco a pouco e, assim, alcançarem a felicidade? Eu não cheguei ao fim dos meus sonhos mas estou em um ponto perfeito para o sonho que planejei. Porém, algo me falta. Não é amor, pois o tenho da forma que quis e, embora passe por altos e baixos (como todo amor real), ainda o prezo. Não é amizade, pois tenho pingadas afeições que, juntas, se completam. Não é inteligência. Não é caráter. Não é posse. Talvez seja liberdade. Que sei sobre liberdade, todavia? Sei que a tenho mascarada e a chamo de minha com um orgulho patético.
   Rendo-me todos os dias à obrigações que me falseiam o esforço, que me ludibriam com a recompensa periódica. Mas eu as cumpro com tanto pesar! Espero desesperadamente por momentos que julgo serem só meus e, quando chegam, me deixam entediada devido a incerteza. Nunca tenho ciência completa de que estou sendo útil (não para o mundo, mas para mim mesma) e insisto em bradar aos ventos que sou. Que audácia!
   Todos os dias eu busco uma felicidade forçada, um sorriso atuado, o encaixe frustrado em padrões que eu não sei nem se são, de fato, meus. E o vazio permanece.
   Que eu possa, futuramente, achar a peça faltante do quebra-cabeças. Suplico a seja lá quem for. Que eu ache o conforto espiritual, material e referente à liberdade que tanto me entristece. Que eu descanse, livre e liberta, enfim.

Vitória.

Cais

   Acontece que, quando eu olhava fundo nos teus olhos, eu enxergava o amor. Eu sentia que aquilo tudo era puro e verdadeiro, único e leal, paciente e singular. Eu jamais me preocupei em fazer algum tipo pro teu julgamento ou te deixar curioso sobre o que eu era. Eu realmente senti que podia ser o que eu sabia ser e podia fazer milhões de esforços para te fazer igual. Eu vi a sinceridade ali, naquele brilho intenso e esverdeado nas tardes chuvosas. E choveu. Eu pude sentir os braços latejando, tamanha a força com a qual eu fechei as mãos. Os pingos gélidos que me acometeram os ombros, os olhos e os cabelos. O céu que escorregava numa rapidez exorbitante e os pés dormentes de tanto caminhar sem rumo. Fecharam os teus olhos porque já não aguentavam encarar os meus. Ao abrirem, já fitavam o teto. Ficaram longe, me mantiveram longe e eu tornei-me pó. Teus olhos olharam fundo nos meus para me afastar de vez. Havia amor refletido nos teus olhos... Mas ele vinha dos meus.

Vitória.
   Havia muito de você em mim e eu passei um tempo enorme selecionando tudo isso para jogar fora. Mandei o "você" em mim pra longe, evitei, reneguei. Deixei de alisar sua pele nua com a ponta dos dedos para agora seguir um rumo oposto e sombrio. Eu não sei por que eu falei disso agora e nem o que eu realmente quero dizer. Mas eu disse. Que bom.

Dezesseis quartos, quatro andares

   Quando senti os primeiros pingos gélidos tocarem-me a face, eu soube o motivo de estarmos ali e instantaneamente senti que aconteceria. Finalmente. Eu senti seu braço apoiado na minha coxa e todos os pelos do meu corpo arrepiaram-se imediatamente. Suas veias, sempre dilatadas, imploravam meu toque e eu cedi como sempre cedia quando o assunto era você. Sua pele dourada contrastou com a minha e nossos olhos se cruzaram. Os meus, escuros como o céu que pairava sobre nós. Os seus, esverdeados como a esperança que me acometeu todos esses anos. E nós fizemos chover.
   Não entrarei nos méritos que a descrição hiperbólica poderia me proporcionar. Tudo o que chegou a acontecer, o silêncio, o calor, o suor e as expressões estarão conosco pelo resto do tempo. Não haverá repetições ou insinuações delas. Todos os arrepios, a explosão de sensações, a visão da chuva na janela e a minha respiração no vidro. Tudo ficará em nossas memórias e apenas nelas. Para nunca mais, ninguém. Fica aqui apenas o registro para que eu nunca esqueça de que este sonho aconteceu. O erro habitual e favorito. Eterno.

Vitória.

Greitai

   Rápido, indolor. O turbilhão de frases e lembranças habitam um palácio metafórico onde um andar é inteiramente feito para você. Oitocentos e oito quartos divididos em momentos maravilhosos e toda a dor que você causou. Nove, e esse último será para o presente e para o curto futuro de você em mim. Diferentes, dispostos, atrativos. Você está aí, em algum lugar. Quero aproximação mas o bom senso nos repele. Até quando?
   Você poderia falar mais alto. Não entendo suas palavras, mas sei que ouço sua voz. 

Vitória.

Sobre raízes e asas

"Ah, as pessoas que vão… Deixem-nas ir. Não significa que elas não amem, não sintam saudades, não se importem – apenas o coração delas é grande demais, e elas precisam sempre estar em expansão. Quando enclausuradas, sofrem muito. Não cabem em si – movimento é a palavra de suas vidas. Alguns acham que esse tipo de pessoa é indecisa, inquieta e até frustrada, pois parecem estar sempre em busca de respostas. Não. Na verdade, pessoas que vão não se importam tanto com as respostas – seu combustível é feito pelas perguntas. Questionam o tempo todo, pensam o tempo todo, observam o tempo todo. Encantam-se pela quantidade de maravilhas que o mundo pode oferecer, seja em uma cidade da moda como Paris ou num boteco abandonado de esquina."

   Entregou-se como quem coloca apenas os pés na água, por medo do frio. Quis fechar os olhos e se deixar levar pela música, mas não o fez. Enrijeceu os músculos, a tensão acometendo-a em cheio. Tudo a impediu de dedicar-se integralmente. Como quem sabe que o fogo pode esquentar, mas também pode queimar; que a água mata a sede mas também pode afogar. Não foi feliz, não enlouqueceu e jamais deu-se ao luxo de sorrir verdadeiramente. Enraizou-se no medo e não pode viver. Mas depois de tudo ela percebeu: nada a aterrorizava mais do que ser solitária.

Verdade pungente

   Escrevo por escrever, de forma espontânea e sem maiores intenções. Às vezes as interrogações alvejam meus pensamentos e tudo o que anseio é existir (no mais puro sentido que o verbo possa admitir). Hoje, em um dia perturbadoramente nublado, eu escrevo por não ter sido integralmente feliz. Por ter a vontade e o devaneio de um amor real, cativante e com uma história de marejar o olhar. Falta um pedacinho de qualquer coisa em mim, visto que não tenho dedicatórias decentes nos meus livros, nem cartas dignas de serem lidas várias vezes, nem fotos reveladas com carinho. Eu não vivi um amor por inteiro e ainda que eu seja muito jovem, este fato me incomoda horrores. Quem entende? Hoje eu me peguei com vontade de ler um conto mas com medo de tudo aquilo que contos me fazem sentir. Sem querer encarar questionamentos e verdades que farão com que eu me depare com uma existência deveras vazia: a minha. E só eu saberei o quão doloroso será encarar tal verdade e reparar que, por não ter vivido tantos amores para viver só comigo mesma, não gosto tanto assim - nem de mim e nem dos outros. Eu não me deixei levar e agora nada faz um sentido real (e nem irreal, pois quem me dera). A poesia da vida só tocou meu íntimo na depressão, nunca no sorriso. "À flor da pele" nunca foi uma expressão que me descreveu.

Vitória

Perdição

   Eu me perdi no marrom esverdeado dos teus olhos curiosos naquela tarde ensolarada. Todas aquelas interrogações e aquele brilho que só existia quando o assunto era nós dois não me saem da cabeça. Eu te pedi para tirar os óculos escuros porque só assim eu podia lembrar da nossa origem. Você se olhou no espelho e comentou que o que mais gostava em si mesmo era seu olhar. Eu também.
   Eu me perdi no teu sorriso despreocupado que aparecia a cada besteira que falávamos. O modo como teu sorriso combinava com a tua expressão e o tempo incontável que ele permaneceu ali, inebriando todo o meu campo de visão. "Junto de um bobo sempre tem outro bobo, o que ri", você disse. Sim, eu era a boba que só sabia rir. Sorrir, porque o teu sorriso me fazia feliz.
   Eu me perdi na tua voz de sono, pausada, grave e baixa. Me passaram pelo pensamento todas as vezes que eu já ouvi essa voz no pé do ouvido, tamanha proximidade. "Se você sabia sobre o que eu ia falar desde o começo, por que quis vir me ver?" "Porque se você me chamar, eu vou". Droga, por que diabos eu falei isso? Xinguei-me mentalmente mil vezes. Sua voz me eriçou os pelos desde sempre e isso estava longe de mudar. Eu encarava o nada para não ter que encarar todo o amor do mundo, que estava ali. "Então vem." E eu fui.
   Eu me perdi em você e em tudo o que você era para mim, física e moralmente. Seus braços fortes e suas veias aparentes, sua cor de pele, e suas mãos (pelas quais eu era fascinada), seu sorriso de criança, seu olhar curioso, seu toque, seu cheiro. Todas as circunstâncias, a paz que você sempre me passou, as gargalhadas que demos juntos, as indiretas, todo o clima peculiar, as borboletas no estômago, as horas perdidas, as lágrimas, os sorrisos, os conselhos, os elogios e os ensinamentos. Pode ser que você não considere nada disso. Pode ser que eu nunca chegue a representar para você um terço do que você representa para mim. Mas jamais colocarei em dúvidas que você foi o mais perto de sinceridade que eu consegui chegar.
   Eu me perdi desde o começo e nada mudou. Eu ainda estou perdida. Perdidamente apaixonada por você.


Vitória

Domingo

Domingos me lembram você. Por Deus, quem é tão vidrado em detalhes assim? Pois bem. Essa calmaria, essa música desnecessária ao fundo, a deliciosa obrigação de não fazer nada, as roupas de dormir, a ausência. Os domingos fazem peso em mim. Todo o pesar do passado virou lembrança mas a sensação de domingo é a mesma. É você. Não o que você é hoje, mas o que foi no passado. O que eu fui no passado. E que nós tentamos (e falhamos) ser. E a saudade? Ah, ela está no fundo, bem no fundo de mim. Não sinto há um tempo. Estou bem assim. E você? Dava um mundo para saber. Mas hoje é domingo. E eu sinto você.

Vitória

Me, myself and I

“Your time is limited, don’t waste it living someone else’s life. Don’t be trapped by dogma, which is living the result of other people’s thinking. Don’t let the noise of other’s opinion drown your own inner voice. And most important, have the courage to follow your heart and intuition, they somehow already know what you truly want to become. Everything else is secondary.” – Steve Jobs

Espelho da alma

   Ela era louca, mas não de um jeito ruim. Tinha estranhas fixações e paranoias, era apegada a detalhes excêntricos e obcecada em trejeitos anormais. Há horas admirava os olhos dele. Achava genial o modo como mudavam de cor em determinados momentos, como transpareciam tudo o que se passava nos pensamentos dele e ele nem percebia. Chovia lá fora, mas a brisa fria que adentrava pela janela não os acometia, visto que estavam abraçados e embalados por três cobertores.
- Não cansa de me olhar, senhorita? - Ele sussurrou. A calmaria estampava seu rosto.
- Nunca. - Ela sorriu, seguida por ele. - Faria isso pela eternidade, se pudesse fazer pausas esporádicas para comer.
   Ele gargalhou. Ela fechou os olhos para apenas ouví-lo. Sua risada era como música, como calmante. Quando voltou a si, fitou sua boca. Aveludada, macia, desejável. E o beijou. O barulho da chuva fez-se mais intenso e o calor entre os dois aumentou. Enquanto ele beijava seu pescoço, ela sentia as mãos dele, geladas, percorrerem sua perna, quadril, cintura, seios... E sorriu.
   Em momentos como esse, todas as dúvidas se dissipavam, e tudo era certeza. Quando ele a tocava, ela podia jurar que ia ao céu. Tentava manter os olhos abertos, para admirar o contraste do quarto quase escuro com a pele dele, excessivamente branca como a neve... Mas não podia, visto que o prazer a fazia sair de si. No final de tudo, voltava para os olhos.
   E derretia-se por dentro. Amava (sim, ela A-M-A-V-A, com toda sua força) a mania que ele tinha de fitar o teto, de suspirar toda hora, de não saber o que fazer com as mãos. Achava curioso o modo como o coração dele o denunciava e trocava o ritmo de suas batidas de acordo com o pensamento que ele tinha. Sentia-se única quando ele mostrava-se preocupado com ela, sentia-se a melhor garota do mundo quando era amparada por ele. E gostava do modo como eles eram iguais quando não queriam pensar no futuro, quando mantinham-se juntos apesar da distância física, como o amava.
   Agora era ele quem a olhava.
- Eu amo seus olhos, sabia? - Ele disse, sério.
- Não, eu que amo os seus - Ela sorriu.
- Por quê?
- Porque eles são o espelho da sua alma. Eles falam comigo.
- Ah, é? - Ele gargalhou. - O que minha alma está falando agora?
- Tá sorrindo.
- Não tão errado. Mas minha alma está dizendo outra coisa. - Disse ele, enquanto acariciava as têmporas dela.
- O que diz a sua alma? - Ela perguntou, curiosa.
- Diz que eu te amo. Muito.
   Ele sorriu e a beijou. Ela era louca, mas não de um jeito ruim. Louca por ele. Assim como ele, que era louco por ela.

Vitória

"Love's just chilling, you know? Kicking it with somebody, talking, making mad stupid jokes. And, like, not even wanting to go to sleep, because then you might be without them for a minute. And you don't want that."

I'm sure you can free my heart

Eu encarava o pote de sorvete só pra não te olhar nos olhos, porque eu sabia que você me observava com um sorriso bobo no rosto. Ali, no silêncio, "domingávamos" e eu tentava fingir que não era a menina mais feliz do mundo. Meu rosto queimava de vergonha - eu era apenas uma garota começando a descobrir a vida. Você era a melhor parte de mim. Fazia sol e teus olhos castanhos tornaram-se verdes. Tuas bochechas rosadas me chamavam a atenção. Eu só queria aquilo pra sempre. O sorvete derreteu. Você sorriu e eu desviei o assunto. Você insistia em mim.
Depois disso, só fizemos chover.
E eu me lembro como se fosse ontem. Das borboletas no estômago, da espera que pareceu eterna. Do seu sorriso e do brilho que seus olhos tinham à luz da lua. Do relógio que gritava o fim da noite. Do desejo de permanecer. Da saída receosa. Do seu sorriso pedindo pra eu ficar. E de ficar. E do beijo demorado. E do seu cheiro na minha roupa.
Mais chuva.
O verde das árvores era apagado, o frio eriçava os pelos, o seu hálito me esquentava a nuca. E eu lembro de cada momento em que seus olhos fitaram os meus, naquele dia. Das duas horas que pareceram dois segundos e do quanto eu daria para que o tempo tivesse parado e eu estivesse lá até hoje.
Chuva.
E a música, as pessoas, a festa. Dançávamos e você parecia estar em outro mundo. O seu sorriso é tão lindo. Os olhos semicerrados, o sono e a obrigação de permanecermos ali. Você estava melhor do que nunca. E eu não conseguia esconder isso. O beijo inesperado no fim da noite.
Foram meses chuvosos. Meses preguiçosos. De conversas despretensiosas e divagações longínquas. Você foi e ainda é minha inspiração. E depois de todo aquele tempo me aquecendo e protegendo do frio, iluminando os meus dias com aquele sorriso inocente, fazendo aquelas brincadeiras bobas sobre o cotidiano... O sol apareceu.
Eu não queria e nem quero uma vida ao seu lado. Não queria as obrigações, não queria a burocracia, não queria o protocolo. Podia ser tudo só nosso. Eu não ia ligar. Tudo bem se fizesse sol por dias seguidos contanto que eu soubesse que no fim de semana o tempo iria nublar. Que a calmaria tomaria conta de mim.
E que nós dois só faríamos chover.

Vitória

Dear nameless,

Três anos. Para ser sincera, não sei porque escrevo essa carta, mas tenho a certeza de que ela será redigida da forma mais simples possível em memória ao que nós fomos, somos e seremos. Em memória aos bons tempos, aos anos de sofrimento e ao sentimento que ainda vive em mim.
Sim, ele vive. Durante esses três anos, lutei incessantemente para que o que sinto por você morresse. Procurei em outros braços aquela sensação de missão cumprida que eu tinha ao ver o fim do dia ao seu lado. Livrei-me de todos os objetos que me lembravam você e tratei de espantar todos aqueles pensamentos traziam a imagem do seu sorriso ao meu pensamento. E, por um tempo, realmente achei que toda essa privação tinha funcionado.
E aí eu te vi. Me privar de te ver por tanto tempo só fez com que todas aquelas borboletas no estômago voltassem em maior número quando aconteceu. Te vi sorrindo de longe, o solzinho fraco da manhã deixando teus olhos esverdeados, olhando pro lado e andando despreocupado. E todo aquele charme inebriou a minha razão. As pernas bambas, o coração acelerado, sem saber o que fazer. E você passou.
Foi quando eu percebi que o tempo foi inútil e que me proibir de pensar em você só fez com que sua essência grudasse mais em mim. E que quanto mais forte ficava o sentimento, mais tempo passava, mais eu me frustrava por não poder ser quem eu queria ser e menos eu sabia externar isso.
E eu percebo porque tudo deu errado. Tantos fatores. Nossas idades, as pessoas de fora, seus princípios e meus medos. Tudo contribuiu para que todos os momentos fossem menores do que a realidade e nós deixássemos de ser "nós". Dói exageradamente saber que a pessoa que você mais ama não pode ser sua.
Eu queria que você soubesse de tanta coisa. Nem as palavras mais bonitas e bem colocadas descreveriam tudo o que eu já quis te dizer, o que eu já quis fazer, o que nós poderíamos ser e como nós poderíamos fazer dar certo.
Tá tudo tão bagunçado pra mim.
Às vezes eu me pego imaginando como seria se tudo fosse diferente. Sem amores antigos, dores passadas, histórias mal resolvidas... Nós teríamos todo o tempo do mundo!
Mas talvez todas as turbulências tenham sido importantes para que eu me tornasse quem sou hoje. A maturidade me permite afirmar com propriedade que é você quem eu quero. Que mesmo depois de todo esse tempo e todas essas tempestades, eu ainda sou sua. E que sempre serei.
Passado todo esse tempo eu me lembro exatamente de como eu senti. De como eu era a garota mais feliz do mundo (e a mais nervosa também) quando eu sabia que iria te ver. De como meu pensamento de menina passava horas fazendo cenas de um futuro impossível onde você era somente meu e nada além disso.
E é engraçado o modo como a sensação gostosa de paisagem amarelada ressurge em mim todas as vezes que eu penso em você. Como vibram as minhas têmporas todas as vezes em que eu me lembro de tudo o que vivemos juntos. Das suas piadas, opiniões conservadoras...
E você voltou.
Não do modo como eu esperava, mas você está novamente em minha vida e parece colocar-se nela de modo mais intenso do que nunca. Por mais que circunstâncias ainda mais sérias nos impeçam de "sermos nós", você tornou-se presente. E está aqui.
Eu, mulher feita, pensamentos formados e vida em construção. Eu, que ainda me sinto criança quando conversamos, que fico sorrindo sozinha por sua causa, que percebo todos os dias o quanto você é insubstituível. Logo eu.
E eu nem sei como e quando terminar essa carta, mas talvez o ensejo seja esse, já que está tudo tão fora de nexo. Eu só queria que você soubesse um pouquinho do que sou quando o assunto é você. E esse é meu escrito mais amador e ainda assim um dos mais sinceros. Cuida bem dele?

Vitória

Turbilhão

Toda essa ânsia vem da agonia interior desse presente dolorido que nos arranha a face com responsabilidades novas todos os dias, dessa realidade pungente que nos pressiona tão fortemente. Mas a vontade bate de frente com o medo. Há um indiscutível e contraditório medo de fracassar. De ver que as escolhas foram equivocadas, da falta de capacidade, da queda. E esse dualismo que tem suas duas facetas batalhando todos os dias, no pensamento. “Mas e se...?”. E como dói! A angústia de nada saber sobre seu futuro, ao passo de que não se tem controle do próprio presente! A necessidade de crescer e provar tantas coisas ao mundo. A vontade irrefreável de voltar no tempo e esquecer todas as responsabilidades e escolhas. E as partes da vida. O amor, o intelecto, as relações. Estamos rodeados de gente, mas sem ninguém que entenda completamente esse turbilhão de pensamentos.

Vitória

American Psycho

"I have all the characteristics of a human being: blood, flesh, skin, hair; but not a single, clear, identifiable emotion, except for greed and disgust. Something horrible is happening inside of me and I don't know why. My nightly bloodlust has overflown into my days. I feel lethal, on the verge of frenzy. I think my mask of sanity is about to slip." 

"There is an idea of a Patrick Bateman; some kind of abstraction. But there is no real me: only an entity, something illusory. And though I can hide my cold gaze, and you can shake my hand and feel flesh gripping yours and maybe you can even sense our lifestyles are probably comparable... I simply am not there." 

"There are no more barriers to cross. All I have in common with the uncontrollable and the insane, the vicious and the evil, all the mayhem I have caused and my utter indifference toward it I have now surpassed. My pain is constant and sharp, and I do not hope for a better world for anyone. In fact, I want my pain to be inflicted on others. I want no one to escape. But even after admitting this, there is no catharsis; my punishment continues to elude me, and I gain no deeper knowledge of myself. No new knowledge can be extracted from my telling. This confession has meant nothing."

Patrick Bateman, you unveiled me. 

De volta

   Há tantas coisas que eu queria te dizer. Essas coisas, porém, arranham-me a garganta e são engolidas por causa de meu orgulho. Por vezes, os prantos impediram-me de te olhar nos olhos e muitos dos sorrisos que te dirigi nos últimos tempos foram falsos. E eu desejei, por muito tempo, não ter que dar-te palavras ou ser obrigada a estar na tua presença.
   Mas teu cheiro inebriou-me, teu toque aveludado e despretensioso chegou a mim e descansei meus olhos nos teus. Tu estás de volta. E todo esse tempo que levei para colocar minha vida no lugar foi em vão. Toda a certeza que eu tinha de que tu estavas fora da minha mente se esvaiu junto com a organização de meus pensamentos. Agora, perturbada, luto para não ter que demonstrar que, no fundo, nunca deixei de te amar.
   Percebo agora que desde sempre coisas ficaram presas em mim. Momentos, palavras, mágoas. E que eu queria despejar tudo em cima de ti repentinamente para depois morrer de remorso. Que eu queria poder olhar nos teus olhos sem ter de esconder a tristeza que me acomete quando lembro o que representastes para mim. Que eu pudesse admitir que tudo o que aconteceu ficou para trás e jamais voltará.
   E tudo está de cabeça para baixo de novo. E não me adianta tentar escrever sobre tudo o que senti quando fostes embora. Não adianta lembrar-me o quanto sofri e como a ferida demorou para cicatrizar. Só me lembro de como foi difícil olhar-te e ver-te feliz (sem mim), procurar em outros braços a mesma sensação que eu só tinha nos teus (e não achar).
   Tu estás de volta e, como sempre, balançou-me de um modo que só tu sabes. Tirou-me do chão e todas aquelas cartas jamais entregues parecem fazer parte do presente novamente. E eu sei que vai dar errado. E eu não me importo. Eu só quero estar contigo o máximo que eu puder.
   Quantas críticas já não ouvi e ainda ouvirei? Mas diga-me, qual é o apaixonado que escuta outras vozes senão a do próprio coração? Qual é o hipnotizado que presta atenção em alguém além do hipnotizador? Que sou eu, senão sua para sempre?
   Não é burrice. É amor. Amor desmedido que corre em minhas veias desde que me entendo por gente. Que atender-te-á independente do tempo e da situação. Que cuidará de ti quando mais precisar e será calmaria no meio da tempestade quando necessário for.
   Tu estás de volta. E eu também.

Vitória

Dúvidas, céu e nostalgia

   Eis que você retorna às minhas inspirações. Não por mérito mas sim por consideração. Apesar de todos os aspectos ruins de "nós", você deixou algumas boas lembranças e um sentimento gostoso de nostalgia em mim. Irônico dizer, após tudo o que passou, que você ter estado em minha vida (ainda que apenas de passagem) foi bom.
   Você era a poesia matutina de um sol alaranjado que escalava lentamente o céu. Desvendou mistérios desconhecidos por todos, destruiu barreiras outrora inabaláveis e tornou-me pessoa nova. Brincou com meus cabelos, admirou meus olhos, sorriu como incentivo e foi distração.
   Você foi o mais próximo que eu já cheguei do amor.
   E agora, admirando o pôr-do-sol, consigo enxergar a importância do amanhecer, da queda, do luto. Aprendi que a dor era pungente mas curável. Que o tempo não cessa mas suaviza as lembranças. E que as lágrimas secam independente do que houver.
   Talvez eu ainda não esteja completamente moldada. Talvez você ainda se lembre de mim quando olha para o céu. Talvez nossos caminhos ainda se cruzem. Talvez nada disso tenha realmente acabado. Talvez nossas têmporas ainda vibrem o amor. Quem sabe?
   A paisagem ganhou ares vivos novamente e outros amores já me traçaram os pensamentos. Mas você ainda está aqui guardado e daqui jamais sairá. Você foi único e é imutável, pois as lembranças que despertamos em alguém nos eterniza da forma mais doce e sincera que pode existir. As lembranças são o que eu tenho de melhor sobre você.

Vitória

Aniversário

   Estou aqui. Como estive em todos os anos desde que me lembro. Talvez não da forma como eu estou acostumada, mas talvez você já esteja. Me sobra o orgulho e me falta a coragem de ir até você e dizer todas as palavras que lutam brutalmente em minha garganta. Elas tentam sair mas vou abafá-las mais uma vez e guardar todos esses sentimentos contraditórios dentro de mim.
   Mas não se assuste! Não é a primeira vez que acontece. É uma pena que você não esteja por perto para assistir toda essa batalha interna que venho enfrentando. Mas talvez seja bom para você. Para que você não seja afetado por todo esse desequilíbrio mental que eu poderia exalar. E, talvez por culpa desse desequilíbrio, somada a um punhado de orgulho (o orgulho ruim, por enquanto) e um pouco de remorso, é que essas palavras ficarão aqui, onde só eu possa enxergar.
   Aproveite o seu dia. Hoje todas as pessoas que te amam estarão por perto tentando fazer com que em cada segundo você esteja sorrindo por um motivo diferente. Elas se esforçarão de verdade para que esse seja o seu melhor aniversário (e repetirão isso no ano seguinte e infinitamente). Faça-as sentir que conseguiram. Divirta-se ao máximo e sinta aquele friozinho na barriga ao perceber que é tão amado.
   Pense em como você cresceu e se esforçou para chegar até aqui. No modo em que todas as coisas mudaram drasticamente e em como você parece outra pessoa agora. Nas idas e vindas que a vida dá. Nos momentos em que você se sentiu sozinho e nos que viu que a vida é maravilhosa. Pense em todos os seus sonhos cada vez mais próximos de você! Em como todo aquele futuro que você tanto almejou está cada vez mais perto.
   Renove as lembranças e faça com que esse dia fique na sua memória. Esqueça todas as coisas ruins e as deixe ir (pois elas foram cruciais para que você se tornasse o que é hoje). E agradeça. Agradeça muito ao mundo por ele ser como é. Por ter permitido que a sua vida fosse tão singular e que você se sentisse tão completo como demonstra estar.
   No final das contas, é isso que eu desejo para você. Você merece sentir tudo o que eu disse "aqui em cima". Merece de verdade olhar para os lados, esticar os braços e sentir-se infinito. Queria poder estar com você. Mas estou. Pois também tive minha parcela de contribuição para o que você é hoje. E eu me orgulho disso (o orgulho bom, eu digo). Tudo de bom para você e feliz aniversário.

Vitória

O monólogo de R.B.

   Eis aqui o devaneio de uma mente aventureira, recheada de pensamentos trapezistas e agitados. Para lá e para cá. Na verdade, esses devaneios estão mais para um registro, já que amanhã ou depois eu talvez possa mudar de ideia bruscamente e criar coragem ou simplesmente desistir. Mas estou tão cheio de dúvidas agora...
   Penso agora em como a conheço desde sempre. Em como, desde que me entendo por gente, ela está presente na minha vida e jamais deu sinais de que um dia iria embora, como parece dar agora. Em todas as minhas lembranças, desde as mais tristes às mais extasiantes, ela está presente com sua beleza não convencional para me amparar.
   E é isso que ela é. A melhor pessoa do mundo (para mim) em todos os aspectos. Ela tem uma inteligência devastadora e pode enxergar a lógica até onde não existe - o que é extremamente ruim para mim, que além de ser exatamente o oposto nesse sentido, tenho como desafio fazê-la sentir ao invés de entender tudo isso o que me perturba a mente agora. E ela vai querer entender. E eu terei de dizê-la que o amor não se entende, apenas se sente -. Ela tem uma beleza não convencional e isso me deixa muito satisfeito. Digo, ela não é aquele tipo de garota toda cheia de maquiagem e que se preocupa o tempo inteiro com coisas aparentes. Ela é bonita nos sorrisos, nos esboços de preocupação, quando presta atenção na aula, quando está comendo. Ela é linda nos momentos - e eu já vi tantos! Ela tem um espirro engraçado que chama a atenção de todos e uma risada que muda a todo instante.
   Ontem nos olhamos. Em tantos anos, nunca um momento entre nós foi tão terno. Ela estava distraída e, sem querer, passou os olhos por mim. E parou. E eu a estava olhando. E assim ficamos por alguns minutos, os olhos nos olhos. E meu coração descompassou, minhas pernas bambearam. Eu só queria tê-la para sempre, nós meus olhos, daquela forma. Parecia que tudo tinha contribuído para que aquele momento fosse especial. O sol escondeu-se atrás das nuvens e o clima ficou perfeito (como eu e ela gostamos): o céu ficou cinzento e a brisa mostrou-se, acariciando nossos rostos. Todo o barulho que não vinha de nós cessou e só os nossos corações eram ouvidos. Será que ela também se sentiu assim? Talvez não, porque logo abaixou o olhar. E os barulhos voltaram, o sol saiu novamente e o vento cessou.
   Insisto em descrever momentos rápidos como se durassem a eternidade. Mas eu realmente queria que fossem eternos, já que foram especiais. Estou devaneando tanto. Mas não posso evitar. É impossível não pensar na possibilidade de ela estar devaneando sobre mim agora. Pensando no que foram aqueles escassos minutos em que nossos olhares se cruzaram. Se significaram algo para mim também.
   Eu, R.B., estava com todos eles naquele dia. Falo do dia em que toda essa tempestade interna começou. Estávamos num pileque colossal e ríamos sem parar. Mas não pense que tudo começou porque eu estava fora de mim. Não. Foi gradual e imperceptível, mas naquele dia a certeza veio a mim. Quando ela adormeceu em meus braços... Aquele era o meu lugar! E nada me tiraria dali. Exceto tudo. E ela acordou. E pediu desculpas por estar ali. Tudo o que eu queria era dizer que estava tudo bem. Mas não disse.
   Não disse.
   Quando ela foi embora, olhei o espelho. Não enxergava a mim e sim a minha alma pedindo a presença dela. Pois foi a primeira vez em que eu senti que estava no lugar certo, com a pessoa certa (e eu me sentia infinito). E eu poderia dizer isso a ela, se ela estivesse ali. "Você faz com que eu me sinta infinito. Não vá embora". Mas ela não estava.
   E como dizer? Eu a vi tantas vezes após esse dia e parece que quanto mais o tempo passa, menos infinito eu passo a ser. E como entender? Como fazê-la precisar de mim? Deleitar-nos-emos em sorrisos e prantearemos juntos. A partir dali. A partir do momento em que minha boca se abrisse e vociferasse tudo o que me acomete os pensamentos desde aquele dia. Mas não. Só sei fazer silêncio e observá-la. E tremer quando nossos olhares se cruzam. E fingir que nada aconteceu.
   Aquele olhar ainda habita minha mente. Suas frases polidas ainda ecoam em meus ouvidos. Seu toque despretensioso ainda me eriça os pelos - durante as noites de sono (sonho).
   Lá se vão noites em claro e dias improdutivos. Lá se vão momentos eternos e matutações de como dizê-la. Tê-la. Sabê-la. E eu não sei!
   Escurece em mim e o fim está por perto. Meu corpo clama pelo dela,meu suor quer ser seu aquecedor de noites frias. E por onde andará agora? O que estará fazendo? Pensará em alguém? Sonhará comigo? Por favor! Por favor...

Vitória

Attraversiamo.

Há um turbilhão de pensamentos distintos habitando minha mente agora. No momento, não há a preocupação com estrutura textual alguma, só com a habilidade de passar tudo o que sinto para algum lugar. Registrar.
Está chegando a hora. Cada vez que olho para o céu, posso sentir a liberdade chegando cada vez mais perto de mim. Posso sentir uma conexão inexplicável entre a imensidão do mundo e a imensidão do meu ser. Posso ver-me conhecendo todos os cantos da sensação.
Não é nada pessoal. Não há mágoas, ódio, rancor. Apenas existe um destino traçado, o qual estou fadada a seguir independentemente de qualquer laço amoroso. A vida exige tantas escolhas e a mais difícil que terei de enfrentar está tão perto....
Posso ver os dias passando e o tremor tomando cada vez mais o meu campo de visão. O tremor vem do medo e o medo vem do desconhecido. Para enfrentá-lo, preciso conhecer. E só.
E é isso. Para conseguir o que eu quero, devo querer tão fortemente que deve superar a necessidade de respirar. Deve superar qualquer vontade incontrolável, qualquer amor delirante, qualquer vibração nas têmporas que já existiu.
Respirar e sentir o peso esvair-se.
Attraversiamo.

Vit

Imensidão

   É isso. Como uma fuga. Gosto de ficar aqui existindo enquanto planejo como será minha vida quando esse inferno acabar. Como vai ser sorrir desmedidamente e de forma sincera, ter a diversão de viver e não me preocupar com nada e poder dizer tudo o que eu quiser sem medo de machucar alguém. De ser livre para pensar e agir, de não ter poréns ou prisões. Vai parecer tão fácil. Minha única missão vai ser a felicidade. Desfrutarei de todos os meus esforços e a minha ocupação será ver meus sonhos realizados. O mundo será meu e em todos os cantos eu me sentirei em casa. Porque essa é a verdade. Eu sou do mundo e já nasci assim. Fui moldada aos olhos da imensidão. Meus pés são feitos para vagar sem rumo e meus olhos para desbravar o desconhecido. A música vai embalar meu corpo e vou jogar todo o peso do passado nos momentos bons que ainda virão. As lágrimas que me arranham o rosto agora estarão presentes em todos os rios e mares que irei contemplar e registrar. Toda essa ira vai estar nas ondas e na incerteza da direção. A falta de palavras se manifestará diante apenas da beleza natural e os sonhos serão nada mais que metas realizáveis. E tudo vai ser esquecido. E vou me sentir completa. Para sempre.

Vit

Das lembranças

"Nós, jovens, inconsequentes, tudo e tanto pela frente. Só queríamos nos divertir, compartilhar bons momentos, que sem pedirmos se tornaram eternos. Medo, paixões, aventura, comédia, asco, tudo a flor da pele Em um ambiente afro e paradisíaco fizemos nossa história. Os ritos do cotidiano ganharam um brilho de segredo e de sagrado."

Espero, de coração, poder um dia descrever cada fino detalhe daquelas férias memoráveis. A junção de tudo o que representou pra mim e para os que comigo estavam. Cada sílaba e delírio. Espero, de coração, poder falar sobre, já que é impossível reviver. E que venham outros, milhares, milhões, infinitos verões tão bons quanto aquele. Que sejam inesquecíveis e que eu diga, batendo a língua no céu da boca algumas vezes: "Ah, quem não viveu um verão inesquecível não sabe o que está esquecendo..."

Vitória

Carousel

"There are days that take too long and it's those days I wish I had you right here..." 
   Chove lá fora. Você veio como uma tempestade furiosa dentro de mim. Está tudo confuso. Passou-se tanto tempo, tudo mudou tão rápido e tornou-se tão inconstante. Você se foi. Jogou todas as lembranças e momentos fora, esqueceu-se das palavras ditas com tanta sinceridade. Mudamos. Eu e você.
   Dói continuar amando alguém que me fez tão mal. Alguém que despedaçou meu coração de forma tão indiferente e cruel. Alguém que disse as mais terríveis palavras sobre mim. Alguém que se foi mesmo depois de prometer que permaneceria ao meu lado para sempre.
   Parece que foi em outra vida que você era tudo pra mim (Sem qualquer resquício de exagero ou poesia forçada). Que mostrei-te todas as facetas do abismo que eu sou, compartilhei com você todos os meus segredos, fragilidades e medos. Que vagamos incansavelmente por caminhos desconhecidos, sem medo e por simples confiança por estarmos um com o outro.
   Você esteve lá. Nas primeiras quedas, ajudando-me a levantar e seguir em frente. Nas primeiras conquistas, com o sorriso mais sincero e as palavras mais ternas. Na calmaria, nas gargalhadas, nos prantos, nos altos e baixos, nas normalidades. Sem reclamar da minha aparente indiferença por saber que os sentimentos eram demonstrados em atos e não em palavras.
   Foi de repente e até hoje não sei descrever ao certo como você se foi. A irmandade tomou traços de desconhecimento. Minha indiferença passou a irritar a poesia gritante que existia em você. Outras pessoas, essas sim, souberam demonstrar a importância que você tinha para elas. Palavras cheias de ódio e impulso foram ditas. Uma, duas, três vezes. Lágrimas, olhares, momentos. Os piores. Idas e voltas, altos e baixos e por fim, cessaram caminhos.
   Do modo mais terrível você saiu da minha vida e não demonstrou vontade de voltar. Nunca mais medos compartilhados. Nunca mais sorrisos sinceros. Nunca mais calmaria completa. O maior irmão e a pessoa mais inocente das minhas memórias tornou-se apenas um desconhecido.
   Ainda é difícil para mim escrever sobre você. Falar de você. Lembrar de tudo. Dói. Tudo mudou e nem parece que faz tanto tempo. Fico extremamente feliz ao ver que você está seguindo seus sonhos como sempre me disse que faria. O que nos separou? A vida, os desencontros, as decepções, a incerteza de que nada volta a ser como antes?
   Chove lá fora. Resta ainda a nostalgia.

I'm getting lonely, I'm sick of waiting here for you, I'm getting lonely, please come home 'cause I want to be with you...

Vitória.
   E esse maldito protocolo social cheio das facetas que me seca a garganta e me deixa nesse ciclo vicioso de vagarosidade forçada, de "Saudades de você" "Eu também..." "..." e o encontro que nunca chega e a nostalgia de um dia perfeito e todo o papo furado cheio de supressão dos reais sentimentos e vontades... Cansa-me tanto mascarar o "queria ter passado o dia cuidando de você" com um "melhoras, vê se vai no médico" e acabar afogando um "queria você aqui" com um "dorme bem" e só... O tempo que não passa, o sabor que nunca chega, essa agonia que não finda. Palavras tão mal-ditas... Tão malditas.

Vitória

Delirante

   Quis voar o mais alto possível para que a queda fosse impossível de se cogitar. Voar de modo distante, para que os gritos e clamores não pudessem ser ouvidos. Voar livremente, para que as lembranças e mágoas não tomassem seu campo de visão e a fizessem querer descer. Ah, o querer. Ela o tinha de sobra. O anseio do voo era irreparável, inadiável, delirante.
   As repreensões soavam como pesados grilhões roçando-lhe a carne viva do tornozelo. Doía a prisão, a repressão, a omissão. Doía o pesar da respiração, as palavras ditas sem pensar, os gritos de liberdade abafados pelo mundo. A dor da falta de poder era pungente, lancinante, delirante.
   O mundo ilusório. Faz-nos vibrar as têmporas de amor, habitar com borboletas as entranhas, valorizar o patético. Faz-nos lutar diariamente por coisas que, se pararmos para pensar, têm a importância duvidosa. Faz-nos priorizar o inimaginável, renascer como fênix, viver blasfêmias. A decepção para com o mundo é inevitável, penosa, delirante.
   Carta de alforria. A felicidade proporcionada pela liberdade fê-la sorrir. Doce como chocolate quente nas manhãs de natal. Doce como o abraço sincero após a tempestade. Doce como um arco-íris no final de um túnel escuro. Doce como a sensação de vencer. Permitir-se viver por si só e apenas consigo era perfeito, inacreditável, delirante!
   Mas era o mundo e como tal, chicoteou-lhe a face após a bonança. Amargo como discussão no fim da noite. Amargo como querer e não poder. Amargo como sentir-se só e estar certo. Amargo como morrer. Ter o chão retirado dos pés após breve sensação de liberdade era taciturno, terrível. Delirante.

Vitória

Verão nas mãos


   Era dia, mas apesar de todo o clarão que nos habitava o campo de visão, a noite urgia dentro de nós, sua ferocidade arranhando-nos o íntimo, gritando por liberdade. Fechamos a porta e apagamos as luzes - e que metáfora!, a noite invadiu-nos e todo o restante de nós que ainda era dia, esvaiu-se.
   "Devora-me, incendeia-me, decifra-me." E assim a poesia se concretizou. Ir ao céu e voltar repetidamente não descreveria o que senti em todas as vezes que desvendou as interrogações que existiam no âmago de tudo o que já fui um dia. Perder-se era algo que outrora pareceu-me vago e que, naquele momento, fez todo o sentido.
   Todo o tempo do mundo e nenhum problema passando ao redor. Toda a utopia existente e nenhuma realidade para interromper. Toda a pele, toda a paixão, todo o querer. Nenhuma palavra, nenhum sentido, nenhum disfarce. E teu toque, apressado, sedento e um tanto quanto agressivo estremeceu-me o corpo. Meu inconsciente dividia-se entre te olhar e fechar os olhos para que toda a sensibilidade fugisse para o tato.
   Meu suor e tua força, teu desejo e minha vontade, se havia algo mais poético e corporal (ao mesmo tempo) no mundo, éramos nós. Nada a dizer, nada a pensar, tudo a fazer. A aproximação mais verdadeira, a forma mais suave de ser.
   Para quê encapsular-me, se tenho a ti? E para quê todo o escapismo, se minha fuga é você? E para quê todo o saudosismo se tudo em mim clama por mais e cada vez sempre?
   Fazia frio, mas o verão que tem nas mãos manteve-me aquecida (diria até queimando) por toda a extensão que era possível. Fechei os olhos para, mais uma vez, planar sobre todas as nuvens que já passaram pelos céus. Procurei-te. Arranhei-te. Preencheu-me.
   Pesavam-me os pulmões. Livre de qualquer interrogação ou convicção, deixei-me planar. À minha esquerda, teus olhos, tão intensos, fitavam-me. Curiosos, satisfeitos, incansáveis. Suspirei.

Vitória

O lapidar

    Lá fora chove. Não muito, apenas alguns pinguinhos indecisos e que anunciam a chegada de uma grande tempestade. O céu fica cada vez mais escuro - não por motivos naturais - e o frio arrepia corações. Longe, bem longe, dedilha-se no piano alguma música esquecida pelo tempo, tendo outrora movido corações. Fora isso, mais nenhum barulho. Apenas o vazio sonoro. Vácuo. Abismo.
    A janela e ruídos incompletos. Do outro lado, a paisagem perde a cor e ganha ares diferentes. Deste lado, a folha em branco, desejosa por tornar-se esquálida, a nostalgia, o querer e o não poder. É nesse ambiente que, tristemente, devo quebrar promessas feitas em tempos de decepções e perguntas sem resposta.
    Antes de tudo, deixo claro que lutei por horas até sentar-me e deixar o lápis levar-me por caminhos desconhecidos. (A mente é um labirinto e cada mísera parte, por mais que repetida, é sempre desconhecida. Cada lembrança assume e ativa desejos diferentes, sendo sempre um deleite relembrá-la. Tudo isso não é comum e traz uma sensação distinta. Um tremor fraco na ponta dos dedos, um estalar diferente na língua.) Lutei para que sua imagem não me voltasse à mente. Mas fracassei.
    E como não fracassar quando lá fora o céu escuro contrastando com o verde apagado das árvores me lembra seus olhos? E que esse frio solitário fora outrora desculpa para chegar mais perto de você? E que nós só sabíamos fazer chover? Mas quantas histórias e momentos entrelaçados! Quantas viagens sem sair do lugar...
    E a bagunça que éramos, sem direito a joguinhos ou fingimentos. Era a verdade crua. Irrefutavelmente nua. Eram edredons jogados, livros inutilizados no parapeito da janela, canecas espalhadas pelo quarto. Era brincar com as mãos, com os lábios, com os olhos, com o corpo. Éramos nós.
   Não achei que desejaria teu corpo junto ao meu novamente. Mas, volta. Volta e faz chover arrepios, gargalhadas, faz chover a paixão delirante e desmedida. Faz iluminar o céu nublado com teu sorriso e tuas piadas sem graça. Faz abrir o sol em mim, como só você sabe. E só.

Vitória

Você


      Borboletas serelepes esvoaçaram dentro de mim, provocando um furacão trêmulo em meu estômago. Não parecia enjoo, mas tudo se revirava de uma forma desconcertante enquanto minhas mãos suavam deliradamente quentes dentro do bolso. As pernas bambeavam, valseando vagarosamente um compasso já conhecido. O som ao redor diminuiu até sumir. Um pingo de suor escorreu e foi de encontro ao chão.
      Espatifou-se.
      "Quando nada é cheio de você, tudo torna-se tão vazio... E quem me dera que toda a tremulação do mundo me acometesse sempre e por inteiro, sem espaço para suspiro ou divagação. É nesse momento em que desejo parar o tempo e ficar admirando sua serenidade. Inspiração. Você é o pranto da poetisa desiludida, a viagem estática da lunática, o coração pulsante de um amor solitário. É você e não será mais ninguém."
      Você. E eu forcei o pé no chão para conseguir continuar de pé. E revirei os olhos para respirar sem o furacão interno que joga tantas verdades diante de mim. "E eu preciso. Eu quero. Eu desejo. Espero. Você." "A bagunça que habita a minha mente dia após dia, o momento triste após a risada exagerada. A lembrança que aos poucos se apaga e luta para sair de mim."
      Um suspiro melancólico e demorado. Novamente forcei o pé no chão. Os sons começavam a voltar aos ouvidos: burburinhos, respirações alheias e acordes no piano. E meu coração. (Meu coração? Estava ouvindo meu coração?) Revirei os olhos, chacoalhei as mãos e foquei a atenção em um ponto morto qualquer, mas sempre à sua procura. As borboletas, aos poucos, sossegaram. As mãos esfriaram. As pernas recuperaram-se. Tudo tornou-se vazio novamente.
      E foi assim que me senti durante os dois segundos e meio em que seu olhar estacionou em mim.

Vitória